Francisco Oswald

Francisco Oswald – Cicico como era chamado pelos familiares e amigos – nasceu em 18/06/1918 na Tijuca. Sua infância e adolescência foram vividas entre este bairro e a Piabanha, em Petrópolis, cidade em que conheceu Margarida Magalhães Bastos Oswald – a linda museóloga Guiguite – com quem se casaria em 18 de outubro de 1947, fixando residência, até o final de seus dias, em sua amada Ipanema, numa casinha branca na esquina de Prudente de Moraes com Garcia D´Ávila. Deste casamento nasceram três filhos Maria Luiza, Francisco e Tude. Dos cinco netos, conheceu apenas os três que lhe deu Maria Luiza: Gabriela, Daniel e Mariana. Pedro e João Francisco, filhos de Tude nasceram depois de sua morte em 26 de junho de 1985. Por sorte sua, não assistiu também ao falecimento prematuro de Mariana, aos nove anos, vítima de acidente de carro aos 26 de julho de 1985.

Advogado por formação, tendo exercido, também, os cargos de industrial e administrador de empresa, apenas começou a pintar aos 45 anos: “Um dia, peguei no pincel e comecei a pintar”, dizia ele, tentando explicar sua tardia vocação. Não que os apelos da Arte o encontrassem surdo, mas o casamento, a paternidade e a idéia, alimentada por sua estada de dois anos nos U.S.A, de que o trabalho sério enobrece e o dinheiro traz felicidade, o levaram a adiar o encontro com a pintura. Segundo ele mesmo: “Nesta época eu acreditava que ser rico trazia felicidade, tranquilidade e paz…E, para tornar-me rico, acordava às quatro da manhã e ia dormir perto da meia-noite, trabalhando desesperadamente.” Mas um dia, ciente do seu equívoco, resolveu fazer como Gauguin e abandonou a vida “séria” para se dedicar integralmente ao ofício de pintar, ofício que desenvolveu com paixão ilimitada até às vésperas de morrer. “E foi assim, através da pintura que pude auferir essa sensação maravilhosa de liberdade plena…Nada de horários, nada de chefes…Foi isto que me fez ser pintor: a certeza de que me libertava. Que tudo aquilo que me cercava, fazendo-me angustiado, infeliz, havia terminado…”. Mas não foi a troco de nada que um dia Francisco pegou do pincel e começou a pintar…

Filho de Carlos Oswald e de Maria Gertrudes Bicalho Oswald (Lilita) e neto de Henrique Oswald e de Francisco Bicalho, Cicico e seus 6 irmãos – Henrique/Lilico (irmão gêmeo, cuja morte em 1965 faria de Cicico um “homem pela metade”), Maria Isabel/Bebé, Lucas/Uca, Maria Teresa/Tiinha, Carlota/Loti e Beatriz/Beti, cresceram em um ambiente que alternava a calma, a ternura e o aconchego familiares com a efervescência de um clima intelectual, cultural e artístico que reunia músicos, pintores e poetas ora na Tijuca, ora em Petrópolis. É por isso que Cicico, mesmo sem ter tido uma formação sistemática, não se considerava um autodidata. Filho, irmão, sobrinho e cunhado de pintores, em sua casa sempre se respirou terebentina e águarraz. Assim é, que seu aprendizado se realizou mais em conviver com pintores do que em receber deles orientação técnica ou teórica. Como ele disse uma vez: “Quando, pela primeira vez, peguei num pincel, já maduro e já agora sem aqueles com os quais eu convivera, já sabia perfeitamente o que fazer com ele. Mas, a meu modo…” E, qual era o seu modo? Sobre isso, ele mesmo se pronuncia, advertindo que seus quadros foram os livros que nunca escreveu.

“Já disseram que em pintura, sou um místico e que meus quadros revelam tendências monásticas. Mas, já disseram também que meus quadros são extremamente sensuais, o que me leva, plagiando, qualificar-me com místico e monástico, porém sensual. Faço quadros sem nenhuma responsabilidade, sem nenhum compromisso. Faço quadros para os outros. Faço quadros sem saber pintar. Faço fachadas fechadas, fachadas desertas e, vez por outra, cavalos e bois desvinculados de sua natureza, o verde dos pastos, para penetrarem em uma atmosfera de vermelhidão crepuscular, que tem sido uma constante nos meus trabalhos. E é só. Já disse que se eu pudesse pintar o que eu quisesse, certamente não pintaria fachadas e muito menos fachadas desertas. Pintaria sombras de quintais de velhas casas de antigamente; o cheiro da fumaça de um ferro de engomar daquele tempo; os pregões do sorvete Yayá, do amendoim torrado, do vendedor de ovos e do laranjeiro. Pintaria os acordes distantes do ‘Despertar da Montanha’, mal tocado num piano velho. Pintaria tudo isso e mais o silêncio do bonde parado em final de linha, o sabor do sapoti, do cajá-manga e do abiu, a transparência da fumaça da queima de folhas mortas nos velhos quintais solarengos, o, sabor amargo da mamona de terreno baldio, o musgo dos muros velhos e a violeta da quaresma em fundo de céu azul. Mas, nada disso eu sei pintar e é por isso que pinto fachadas. Fachadas nuas. Simplesmente fachadas. E, às vezes, repito, bois em pastoral e cavalos ardentes.”

Embora Francisco não se considerasse um pintor, no sentido estrito do termo, admitindo que seus quadros não poderiam ser interpretados à luz fria das regras e das técnicas, era com muita seriedade que ele se relacionava com a pintura. Seriedade que provinha do que ele considerava ser a função do artista: “desviar a atenção do homem dos problemas cotidianos, que são piores que as grandes catástrofes”. Mas, a seriedade não o impedia que ele muito se distraísse ao pintar: “Pinto como a criança que brinca! Mas como a criança de Claparéde, quando ele afirma que nada é mais sério do que uma criança brincando!”

Além da pintura, Cicico tinha outras predileções: colecionava selos e moedas; criava passarinhos, em especial bicudos e curiós, era amante da leitura, os livros sempre substituiam os pincéis em suas mãos. Adorava Nelson Rodrigues, com quem compartilhava a paixão pelo Fluminense, Jorge Amado, Pedro Nava e Manuel Bandeira. Recitava de cor os poetas clássicos brasileiros, Guerra Junqueiro, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac, Castro Alves, com retórica digna de inveja. Gostava também de música: “o som de um piano acostumado a Beethoven coexistindo com o violão calejado de Noel era possível, sim!” Um programa que repetia todos os anos, no Carnaval, era assistir da sacada de sua casa a passagem da Banda de Ipanema. Dizia ser mangueirense.

Mas, do que mais gostava era de conversar, de contar histórias. O fato mais corriqueiro se transformava, em sua boca, na narrativa mais deliciosamente imaginável, contada com suspense e humor. Essa arte, que cultivou com uma impressionante naturalidade, foi responsável pelo sem número de amigos que foi fazendo, nos diversos ambientes em que viveu e trabalhou.

Ao contrário do que possa parecer, Cicico não foi um boemio, não gostava de sair de casa, não frequentava bares e festas. Homem de riquíssima vida interior, ficar sozinho em seu atelier rodeado de quadros, livros e passarinhos era seu melhor programa. E, não raramente, o de seus filhos era visitá-lo, inúmeras vezes por dia, neste seu recanto no terceiro andar da casinha branca de Ipanema, apenas para vê-lo levantar os expressivos olhos, sombreados por espessas sombrancelhas grisalhas, por cima da armação grossa e negra de seus óculos, transformando os fantasmas que espreitavam por trás das portas e janelas das fachadas desertas em fantasmas queridos.